Felizmente, não temos a pretensão de tentar definir a obra de João Vaz de Carvalho. Até porque estaríamos votados ao fracasso se nos propuséssemos embarcar em tamanha empreitada. Sabemos que não é algo de uma gaveta só ou fácil de etiquetar.
Ficamos ali, diante da sua obra, especados. Olhamos. Uma e outra vez. Desta e daquela perspetiva. Sucede até que inclinamos a cabeça. Percorremos as figuras e demoramo-nos nelas. Pode até brotar um sorriso. É a realidade que ali está. O conhecido. O familiar. Mas eis que olhamos outra vez e é já a realidade que se nos escapa por entre os dedos. Agora, diante de nós apenas as coisas e o mundo ao contrário. O inusitado. Ora temos pé, ora estamos à deriva e esbracejamos.
Há ali uma rotina que reconhecemos e nos conforta – um casal a tomar chá ou um jogo de ténis. Mas há também um jogo entre a ironia, o humor e o absurdo. São cenários que tanto nos seduzem como desconcertam, mas que estabelecem uma cumplicidade imediata com aquele que vê. Parece um sonho dentro de um sonho, com homens de chapéu e barba hirta e mulheres de cabelo azul ou avermelhado em permanente estado de levitação. Facilmente nos deixamos ir por estas imagens adentro. Sugados. Sem resistir.
João Vaz de Carvalho cultiva uma estética da estranheza que faz desmoronar o nosso ponto de vista acomodado.
Onde está a fronteira entre o ordinário e o extraordinário?
Não existe e não interessa. Limitamo-nos a deambular por esses jardins interiores e as suas figuras, algures entre o familiar e o estranho.
João Vaz de Carvalho é o criador de uma realidade alternativa que nos interpela. A simplicidade das suas figuras mais ou menos bizarras provoca em nós uma inquietante estranheza. – diria Freud -, talvez porque sabemos que também ali estamos retratados. Ou poderíamos estar. Somos o homem inclinado que caminha sabe-se lá para onde ou o outro à espera sabe-se lá do quê. De quando em vez, temos guarda-chuva, outras não e apanhamos com a chuva nas ventas.
João Vaz de Carvalho é um destruidor de certezas e de fronteiras. Precisamos muito de quem o faça.
E também há cerejas e homens e mulheres mesmo muito atarefados a apanhá-las.
Paulo Fernandes
Presidente da Câmara Municipal do Fundão
2022

